Precisamos ficar velhos

Como faltam velhos no mundo de hoje. Eu estava um dia desses num supermercado quando ao meu lado parou um senhor. Penso que ele devia ter quase uns 80 anos. Usava uma camisa xadrez e óculos. Era magro e me parecia saudável. Havia uma sobriedade nele que me impressionou. Uma elegância sem afetação. Era como se ele fosse velho de verdade. Eu o observei por alguns instantes. Quantas histórias não teria para contar? Suas mãos (os dedos eram finos e longos) revelavam algo de sua inteligência e sensibilidade.

Talvez as pessoas estejam desaprendendo a ficar velhas. Isso não tem nada a ver com esperar a vida passar tomando remédios, ou pintando os cabelos. Penso que envelhecer tem a ver com a maturidade a duras penas conquistada. É algo que nem mesmo se explica. Olhar para trás e ver o que se construiu  e, ao mesmo tempo, não achar que a morte é o fim.

Me lembro quando Tom Jobim disse: “a gente precisa ficar velho pra ser perdoado”. Tantos equívocos, desvios de rotas, compreensões erradas, atitudes que não levaram a nada… Foi isso o que ele quis dizer. Que a velhice é uma espécie de redenção. Sem achar que viver não valeu a pena.

Eduardo

18/06/12

* Esta foto é do filósofo indiano Krishnamurti. O senhor com quem me encontrei me lembrava o filósofo.

 


A Bíblia e o bodoque

Quando éramos crianças meu pai comprou uma Bíblia em fascículos e durante muitas noites ele lia para mim e os meus três irmãos algumas daquelas histórias. Ficávamos maravilhados, pois ela era toda ilustrada.

O tempo passou e o livro sagrado foi ficando esquecido debaixo do sofá da sala.

Certa vez brincando com um amigo de infância encontramos a Bíblia e ele ficou encantado com aquelas figuras tão bem desenhadas. Um dia, voltou lá em casa com um bodoque muito legal, construído por seu avô. A forquilha toda talhada e as tiras cortadas milimetricamente. Ele possuia uma pontaria excepcional, de maneira que muitos passarinhos voavam de vez para o céu. Fiquei impactado com aquele objeto raro, conseguindo inclusive, na primeira tentativa, quase arrancar um pedaço do meu polegar esquerdo, para a sorte da passarada!

Meu amigo não perdeu tempo:

_ Edu, sabe aquela Bíblia de desenhos que você me mostrou outro dia?

_ Sei! O que tem Nicolau?

_ Eu troco o meu bodoque nela! Fechado?!  Não pensei duas vezes!

_ Fechado!

E assim seguimos felizes da vida para as nossas casas. De minha parte posso confessar: nem mesmo uma pombinha parada de minhas mãos levou uma pedrada! Do meu amigo, quero crer: sua fé foi aumentada!

Eduardo

17/06/12

Dedico esta crônica ao meu grande amigo de tantos anos e de caminhada, Wilson Nicolau. E expresso aqui minha gratidão também por ter me acompanhado naquelas primeiras cirurgias que realizei na perna, ainda criança, indo à minha casa muitas vezes, levar seu caderno da 5a série e me passando o que era ensinado na escola. Grande abraço, irmão!


Laboratório do amor

Muitas vezes ouvi minha mãe dizer:  “criei os meus filhos com muito sacrifício, com muita luta”. Quantas mães já não disseram isso? Quantos pais não o disseram, mas o sentiram de verdade?

Pensei nesse verbo: criar. Contribuir na formação de um novo ser. É uma grande batalha, árdua tarefa, da qual, não podemos escapar. E vale a pena com certeza, todo esse aprendizado.

Educar é nobre. Como alguém já disse: “quem ama, educa!”  Mostra o certo e o errado. Explica, questiona, pergunta, revela, ensina.

Nossos filhos aprendem conosco todos os dias e também aprendemos com eles. Muitas vezes, conhecem nossos defeitos, como se diz: “num piscar de olhos”, ou estão sujeitos a absorverem determinados traços do nosso temperamento. Em muitos momentos, eles nos devolvem aquilo que somos, como se fossem espelhos, fazendo com que tenhamos o desejo, a vontade de nos superarmos.  E a vida nos brinda com essa oportunidade de fazermos, quem sabe, revoluções. No tempo certo, removendo o antiquado que há em nós.

Fico pensando, ao observar as crianças que, a alegria é uma das coisas mais importantes dentro de um lar. Alegria de conviver, alegria de estar em paz, pois assim, podemos construir um caminho mais harmonioso e belo.  De certa forma é essa mesma alegria, capaz de blindar as influências negativas que chegam da escola, onde outras crianças, vindas, às vezes, de lares pouco estruturados, influenciam nossos filhos; da mídia, e até de outros meios que nem imaginamos. Sim, a alegria faz milagres. Com a gratidão ela nos renova a cada dia abrindo novos e amplos horizontes. Janelas para o ser.

Educar é uma construção diária. Em dinâmica simbiose, pais e filhos aprendem mais de si e do mundo. E nessa peleja, lançamos as sementinhas de um amanhã promissor, nesse laboratório do amor.

Educar. Não vale entregar o jogo no segundo tempo. É preciso coragem.

Criar os filhos, sem desanimar!

Eduardo

14/06/12


Sobre chinelos

Todos os dias eu falo pra minha filha: “Clara, calça o chinelo!”

“Você que é a maior interessada, não sabe onde ele tá, eu vou saber?” Ela acha graça! Não tá nem aí!

Assim são as crianças com sua lógica não-linear!

* * *

Há muitos anos atrás meu pai me disse:

_ Eduardo, pega pra mim meu chinelo?

_ Ah não, pai!

_Pega, porque um dia, quando você tiver um filho, você vai pedir pra ele e ele vai pegar pra você!

_ Clara, pega meu chinelo pra mim? _

_ Ah nem, pai!

_Clara, seu avô me disse que um dia, quando eu tivesse filho, que ele iria pegar meu chinelo!

Ela achou a maior graça e o trouxe para mim!

Dedico este texto ao meu saudoso pai, Tasciano.

Eduardo

06/06/12